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Relações de compromisso

Portugal Inserido no Complexo Militar Industrial da Comunidade Europeia


Portugal não deve ficar à margem da consolidação do sector das indústrias de defesa. Com contrapartidas ou não, o investimento no sector deverá sempre acontecer, sob pena de ficarmos marginalizados e totalmente dependentes do ponto de vista puramente material, mas sobretudo no que diz respeito ao conhecimento e à aprendizagem.

Não está em causa pensar que o Complexo Militar Industrial Português possa ter um impacto económico da dimensão relativa semelhante ao dos EUA ou do Reino Unido, mas esta questão pode e deve ser pensada no seio da Comunidade Europeia. Se a CE tem uma estratégia, Portugal deve participar e beneficiar directamente com a sua participação.

Apesar da consolidação das indústrias e das tentativas de coordenação da WEAG (Western European Armament Group), WEAO (Western European Armament Organisation) e OCCAR (Organisation Conjointe de Coopération en matière d'Armement), que deram origem, finalmente, à criação da EDA (Agência Europeia de Defesa), os países mais fortes ainda continuam a tentar evoluir com grande independência, o que prejudica o caminho inevitável da criação de escala conseguida através da união de esforços.

Portugal Inserido no Complexo Militar Industrial da Comunidade Europeia

O exemplo mais claro e público do impacto económico do Complexo Militar Industrial é o do Reino Unido. De uma estratégia para a Indústria de Defesa pensada e delineada em 2004, o Reino Unido passou à acção a partir de 2007 (até 2012), com um fortíssimo investimento em Tecnologias de Defesa. A visão é clara: se o estado investir nas tecnologias e na investigação, as indústrias vão desenvolver-se. O Reino Unido utiliza, aliás, o exemplo dos EUA para compreender que o investimento nestas tecnologias tem um valor económico considerável e que este investimento se paga a si próprio dessa forma. É curioso que o lançamento do programa cita claramente o sucesso dos EUA neste capítulo.

Não obstante o investimento independente que cada estado está a realizar no sector da defesa, o certo é que a ameaça global que estamos a sentir envolve uma resposta global coordenada, e isso só é possível com um grande grau de cooperação. Essa cooperação começa a montante, na própria concepção dos sistemas de segurança e defesa e, portanto, nas respectivas indústrias. Portugal tem óptimas capacidades demonstradas nesse domínio e deve participar neste processo. A questão está precisamente em perceber que processo é esse.

O necessário investimento na Segurança e Defesa

A visão tradicional com a despesa em segurança e defesa é a da economia de custos, felizmente já ultrapassada. É consensual que temos de velar pela nossa segurança, agora mais do que nunca, e também pela nossa defesa, num panorama cada vez mais difícil. Será que no ambiente social actual nos podemos dar ao luxo de ambicionar uma paz natural? Será que continua a ser válida a máxima romana “se queres a paz, prepara a guerra?”

Como afirma Sir Michael Howard “a paz é um assunto muito mais complexo do que a guerra”. É por isso que temos de nos preparar. Temos de vencer a guerra contra o terrorismo. A defesa e a segurança vão ter um peso importante e provavelmente crescente na economia dos estados. A União Europeia gasta sensivelmente um pouco menos de metade do que os EUA com a defesa, incluindo investimento e custos de operação.

Na Europa, a França e o Reino Unido lideram destacados os gastos totais em defesa (2,5 por cento do PIB). Portugal faz o que pode. Com 1,72 por cento do PIB, o investimento só não é grande porque o nosso PIB é comparativamente pequeno, mas do ponto de vista da percentagem do orçamento dedicado à defesa, Portugal encontra-se bem posicionado entre os restantes países europeus. O problema, se ele existe, não é gastar mais, mas gastar bem. A solução é encontrar formas de transformar custos em investimento. A solução é criar valor económico com esse investimento.

O estado português, como elemento catalisador do complexo militar industrial, tem um papel de alguma responsabilidade, se bem que difícil. É verdade que as forças de segurança e defesa são um grande custo, mas será que podemos transformar alguns custos em investimento? Será que conseguimos encontrar maneiras de fazer multiplicar o valor do investimento conjunto entre o estado e os privados?

A análise desta problemática passa pelo capital humano e tecnológico. O capital humano tem ambas as vertentes. Temos o custo directo dos salários das pessoas, mas também temos o investimento nas suas competências. É preciso saber antecipadamente que competências vão ser importantes. Quanto à tecnologia, a questão é mais difícil e complexa, porque o seu valor só acontece através das pessoas. Haverá com certeza custos de manutenção de equipamentos, mas a grande parte da despesa deve ser considerada um investimento em função das mais-valias que vai trazer. E onde estão essas mais-valias?

A questão nem sequer é apenas económica e tangível. Na sociedade de informação conta mais o que sabemos do que aquilo que temos, por ser a economia do intangível. E como conseguir o sucesso na economia do intangível? Adquirindo capacidades para adquirir o conhecimento, ou seja, aprender a aprender. Neste contexto, será que devemos continuar cada vez mais completamente dependentes dos produtos acabados que importamos?

Temos de ultrapassar a visão mais tradicional de que a criação de valor dos investimentos no sector de segurança e defesa é obviamente a da acção directa que as respectivas forças vão poder realizar. Há um valor económico nos investimentos tecnológicos de segurança e defesa, pois muitas das soluções militares serão, mais tarde ou mais cedo, aplicados no âmbito civil. Há também a criação de conhecimento, tão importante para fazermos parte da rede de aliados com voz activa.

Claro que neste contexto vem sempre à memória o facto de Portugal ser um pequeno país, e ainda por cima periférico na Comunidade Europeia. Não podemos consentir que a defesa e a segurança sejam apenas um custo sem qualquer perspectiva de evolução económica. Portugal tem uma indústria de segurança e defesa que pode, e deve, activar no contexto internacional. Se pensarmos assim, há custos que se transformam em investimentos e o valor económico desses investimentos pode justificar o tão ambicionado aumento de verbas disponíveis, venham estas do estado ou dos privados.

Temos, portanto, de encontrar um modelo de desenvolvimento ajustado ao ambiente económico em que estamos inseridos. O modelo actual de globalização das economias está a privilegiar as redes de empresas meta-nacionais em detrimento das antigas empresas transnacionais, internacionais ou multi-domésticas. Tal é possível porque na sociedade da informação e do conhecimento o valor pode e deve ser criado em rede, sem que as fronteiras sejam uma barreira.

As oportunidades para as nossas empresas existem e vão ser acarinhadas no seio da CE. Algumas empresas de grande sucesso em Portugal têm origem na criação de conhecimento possível com os projectos europeus realizados no seio da CE. Seja através da Comissão Europeia, seja através da EDA, as oportunidades vão acontecer. Veja-se, por exemplo, o programa de investigação conjunto lançado pela EDA no valor de 55 milhões de euros. A este respeito, tudo passará por diminuir a barreira psicológica da dependência nacional e em particular do estado, alinhando vontades entre os vários actores de forma a conseguir criar a rede de valor de participação nacional que, com o tempo, fortaleça as nossas capacidades.

O argumento fundamental defendido neste texto é o da articulação dos investimentos de segurança e defesa com os investimentos na economia portuguesa no contexto da Comunidade Europeia, articulando as acções do estado português com as da Comissão Europeia, os fóruns de cooperação (como a EDA), as acções das empresas tuteladas pelo estado e as acções das empresas portuguesas interessadas em participar neste cluster e, finalmente, com as empresas dos países aliados que façam parte da rede alargada e interessadas em activar o nosso capital de conhecimento em áreas específicas do sector.

Tudo passa por perceber quais são as áreas onde podemos ter mais hipóteses para criar vantagens competitivas e que sejam mais do nosso interesse. A nossa ligação ao mar surge naturalmente como uma abordagem a privilegiar. A ligação ao plano tecnológico também. Em suma, a canalização do investimento deve seguir padrões de estratégia económica, de defesa e de segurança nacionais. Se assim for, a Lei de Programação Militar poderá ser vista também como investimento e não apenas como um custo.

Como português, quero que seja feito este investimento por tudo o que de bom que nos vai trazer. Afinal, com esta consciência, quantos de nós o vão querer também?

Paulo Cardoso do Amaral, Administrador da Sinfic, Professor na Universidade Católica Portuguesa e Vice-presidente da AFCEA Portugal.

 

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