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Acessibilidade em Conteúdos Multimédia para e-Learning


Não existem dúvidas de que a acessibilidade em conteúdos multimédia para e-Learning é uma temática complexa, e que a sua aplicação é tudo menos linear, chegando mesmo a ser frustrante. O artigo que se segue é baseado na informação disponibilizada pelo projecto Skills for Access, constituído pela Learning Development and Media Unit (LDMU) da Universidade de Sheffield e pelo Digital Media Access Group (DMAG) da Universidade de Dundee.

O objectivo do projecto Skills for Access não é apresentar um conjunto de linhas de orientação ou de requisitos que tenham de ser seguidos a todo o custo - até porque o desenvolvimento de conteúdos com acessibilidade é muito mais do que isso - mas antes o de recomendar uma abordagem na utilização da multimédia como forma de melhorar a acessibilidade na experiência de aprendizagem.

Os desafios da acessibilidade, multimédia e e-learning

Convém, antes de mais, identificar alguns dos motivos pelos quais a acessibilidade em multimédia não é usada, de forma extensiva e com o sucesso que deveria ter, no ensino e na aprendizagem, para suporte a estudantes portadores de deficiência:

  • Existe um sentimento, não confirmado, de que os académicos e os tecnólogos do ensino estão a utilizar a multimédia para disponibilizar recursos pedagógicos valiosos e estimulantes para e-learning, e que, como tal, ignoram a acessibilidade com a desculpa das suas implicações.
  • O entusiasmo na utilização do e-learning pode ser abalado pela necessidade de evitar a discriminação de estudantes portadores de deficiência por parte dos "fornecedores" de ensino.
  • Outros podem estar confusos com o impacto da aplicação das linhas de orientação de acessibilidade, em especial no que respeita aos recursos e conhecimento técnico hipoteticamente necessários para as implementar, bem como com eventuais e aparentes conflitos com os objectivos pedagógicos do recurso em questão.
  • Existem ainda profissionais multimédia que, ao longo dos anos, desenvolveram conteúdos multimédia para e-learning absolutamente extraordinários, mas que agora se apercebem que os mesmos excluem grupos específicos, o que provoca sentimentos de desconforto, autodefesa ou vulnerabilidade.

Estes aspectos podem ter, potencialmente, um impacto negativo no desenvolvimento efectivo do e-learning, o que pode resultar em:

  • Exclusão de recursos de e-learning valiosos;
  • Aumento de recursos e-learning insípidos (podem ir ao encontro de algumas definições de acessibilidade, mas levam a experiências de aprendizagem sofríveis e desagradáveis);
  • Desmotivação da comunidade académica e técnica, que pode resultar na recessão do desenvolvimento do e-learning.

No entanto, este cenário não tem necessariamente de acontecer e pode ser minimizado, caso seja adoptada uma abordagem estruturada e reflectida sobre a utilização de multimédia, acessibilidade e aprendizagem.

A multimédia pode melhorar a acessibilidade na aprendizagem

Um dos atributos chave para o desenvolvimento correcto de conteúdos multimédia para e-learning é que possam melhorar a acessibilidade em programas de aprendizagem. Assim, será possível dissimular a pressão para evitar o conceito de acessibilidade.

Slatin e Rush, em Maximum Accessibility, afirmaram que "em certos casos, a melhor forma de melhorar a acessibilidade pode ser a utilização de mais meios? Utilizada de forma adequada, a multimédia é um recurso crítico para a acessibilidade".

Um outro testemunho, desta vez de uma disléxica chamada Natasha Campbell, ilustra bem a importância da multimédia. "A multimédia é uma ferramenta de aprendizagem muito poderosa e é certamente a minha forma preferida de aprender. Tem vantagens sobre as aulas orais?" Uma dessas vantagens é o facto de ser possível rever sistematicamente os conteúdos apresentados em formatos multimédia até os compreender.

É essencial que os recursos para e-learning sejam desenhados, tanto quanto possível, para serem optimamente acessíveis. No entanto, sempre que as soluções de acessibilidade não sejam possíveis de concretizar, ou sejam injustificadas do ponto de vista técnico, pedagógico, ou financeiro, podem ser apresentadas soluções alternativas, desde que se considerem razoáveis.

A legislação existente sobre acessibilidade é praticamente omissa no que respeita a conteúdos ou plataformas de aprendizagem, preocupando-se essencialmente com aspectos relativos genericamente a experiências educacionais. Assim, a legislação deveria ser considerada, não numa perspectiva micro, mas num campo mais abrangente, no que respeita, por exemplo, à acessibilidade em avaliação, ou num módulo, disciplina ou programa de curso.

O mais importante será analisar o impacto, a curto prazo, da introdução de acessibilidade como característica intrínseca em todo o processo de ensino e aprendizagem, garantindo uma alternativa razoável, justa, equitativa e atingível.

Acessibilidade como obrigação?

Alguns produtores de conteúdos multimédia tendem a olhar para a acessibilidade como um procedimento ou exercício burocrático, inventado por pessoas sem os mínimos conhecimentos de produção multimédia e que, aparentemente, não têm nada melhor para fazer do que criar entraves à criatividade e à inovação. A resposta a esta abordagem é encarar a acessibilidade, não do ponto de vista dos constrangimentos, mas do ponto de vista dos benefícios reais e diferenciadores para as pessoas.

Vista assim, a acessibilidade faz parte de um desafio, que pode significar a diferença entre uma experiência de utilização frustrante e experimentar um novo mundo de oportunidades. Deste modo, os designers não irão, com certeza, querer que parte da sua audiência possa ficar excluída de experimentar o seu trabalho.

No campo do web design, o fortalecimento da importância e popularidade da conformidade com normas, mesmo no design criativo no campo visual, demonstra que o desenvolvimento de acordo com regras de acessibilidade não é necessariamente contrário a um design criativo e rico - é simplesmente um bom design! O mesmo deverá aplicar-se à multimédia.

Um espcialista em desenvolvimento e-learning multimédia afirmou que "uma grande quantidade daquilo que se faz por razões de acessibilidade é, na realidade, basicamente bom desenho, que ajuda toda a gente na utilização e não apenas pessoas com deficiência".

Por ouro lado, os benefícios não planeados resultantes de uma abordagem mais abrangente não devem ser subestimados. Imaginem, por exemplo, a quantidade de produtos que foram desenhados originalmente para nichos de mercado, como um grupo de pessoas com deficiência, e se tornaram convencionais - leitores de cassetes, rampas em edifícios, legendas na televisão...

Falar de acessibilidade não faz sentido sem falar de usabilidade - o que, dependendo do objectivo do recurso, pode implicar 'valioso', 'respeitável', 'importante', 'agradável' ou muitos outros adjectivos desejáveis. Assim, 'acessível' é tão somente um atributo de sucesso de um recurso multimédia para e-learning. A acessibilidade para pessoas com deficiência deve ir muito além da possibilidade de aceder à informação. Deve significar um caminho que vale a pena percorrer para tirar benefício e significado da utilização da informação.

Uma abordagem para assegurar a acessibilidade em multimédia

É importante lembrar que existem dois níveis de acessibilidade em multimédia:

  • Por um lado, os designers devem esforçar-se por utilizar técnicas de boas práticas, normas, linhas de orientação e funcionalidades das tecnologias multimédia para maximizarem a acessibilidade dos conteúdos multimédia produzidos.
  • Numa escala mais ampla, não devemos esquecer-nos de que a utilização da multimédia é, em si mesma, um facilitador, no sentido de tornar a informação e os conceitos educacionais mais acessíveis às pessoas.

Quando se complementa a informação apresentada em forma de leitura, ou texto com multimédia (como animações, vídeo ou áudio), melhora-se significativamente o processo de aprendizagem. Sempre que se considerar que não é possível tornar um recurso multimédia acessível a algumas pessoas, deve-se pensar na criação de alternativas, em vez de desistir simplesmente da sua utilização. Deveremos colocar questões como as que se seguem:

  • Quais são os objectivos deste recurso multimédia? Quais os objectivos pedagógicos? Como se enquadra este recurso, no restante ambiente de aprendizagem?
    É absolutamente necessário que todos os formandos o possam utilizar - por exemplo, será que é utilizado para efeitos de avaliação?
  • Onde é suposto utilizar o recurso - num ambiente de laboratório, sala de aula, onde a capacidade tecnológica existente é conhecida? Ou pode vir a ser utilizado em qualquer lado, como em casa? Por outras palavras, quais os pressupostos acerca da navegação e da tecnologia de acesso que será necessária para os utilizadores (e o seu conhecimento acerca dessa tecnologia)?
  • Quais são as potenciais barreiras à utilização de multimédia? Que nível de capacidades sensitivas ou motrizes são necessárias? Como pode uma determinada dificuldade de capacidade de aprendizagem, ou uma deficiência cognitiva, afectar a capacidade de utilização do recurso multimédia?
  • Que outras alternativas existem actualmente, ou que alternativas podem ser criadas? Como foi pensado este assunto ou tópico anteriormente?
  • Qual a melhor forma de apresentar a informação, ou de atingir os objectivos de aprendizagem, por forma a que: (a) o maior número de pessoas possa tirar o máximo partido do recurso multimédia; (b) aqueles que têm barreiras à aprendizagem, por questões de acessibilidade, possam atingir o mesmo retorno da aprendizagem, através de um processo alternativo?

A resposta a estas questões, de forma clara e honesta, facilitará muito o trabalho de planeamento da acessibilidade - e ajuda a determinar como pode ser utilizada a multimédia para atingir os resultados pretendidos.

Por sua vez, o conhecimento do papel e dos objectivos de um recurso multimédia para e-learning, no contexto global do ambiente de aprendizagem, auxilia no processo de tomada de decisão quanto à aplicação de uma determinada linha de orientação relativa ao processo de desenho de acessibilidade, onde a interpretação pode ser subjectiva. Se um recurso multimédia suportar outros métodos de ensino, então se lhe pudermos adicionar novas formas de aprendizagem, por certo podemos justificar esta opção, na medida em que ela vai contribuir para a diminuição das barreiras de acessibilidade à aprendizagem.

Esta abordagem não deve ser confundida com a promoção da segregação, que normalmente resulta da disponibilização de um recurso separado e, por vezes, menos aceitável para alguém, tomando em consideração a sua deficiência. Em vez disso, promove a utilização da multimédia como forma de melhorar a aprendizagem em toda a sua plenitude, estando consciente das suas potencialidades e consequências e lidando com elas da forma mais adequada.

Este é, sem dúvida, um tema apaixonante e que terá, por certo, desenvolvimentos significativos no futuro em matéria de boas práticas, normas e legislação adequada.

O objectivo deste artigo é, antes de mais, despertar as consciências de todos os que estão envolvidos, directa ou indirectamente, neste sector de actividade, e levar-nos a reflectir sobre:

  • O impacto das opções que tomamos quando desenvolvemos um conteúdo de aprendizagem;
  • A preocupação que devemos ter com a sua produção e com as opções que tomamos, para não incorrermos no risco de excluir, ou mesmo marginalizar, quem
  • tem limitações de vária ordem, que não lhes permitem ter um percurso de aprendizagem similar ao da maioria das pessoas.

Pedro Miguel Geraldes, gestor da UEN e-Learning da Sinfic.


Produzido em 2005

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